Empatia genuína

Num mundo em que grassa a desinformação, os boatos, as múltiplas conjeturas, é muito fácil esquecer-nos de que existem direitos humanos universais e de que os seres humanos “devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
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18 of December 2024

Por Cláudia Pedra, 
Managing Partner, Stone Soup Consulting

 

Ao aproximar-se o final do ano, e de uma época cheia de momentos de celebração, vemos a bondade e a generosidade permear os seres humanos. Uma época por isso especialmente bonita, em que deveríamos celebrar os direitos humanos e a empatia genuína. Mas será que o podemos fazer?

Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi criada em 1948, os seus detratores questionaram a universalidade dos direitos nela consagrados. Alegaram diferenças culturais, especificidades regionais. Contudo, uma análise mais atenta ao processo demonstra que tudo isso foi tido em conta. Este não foi um processo centrado num só país ou numa região; foi um processo de criação dos direitos universais, ou seja, relevantes para qualquer pessoa, independentemente de onde nasceu, que religião professa (ou não), ou do seu nível de educação, entre muitas outras diversidades. A ONU define os direitos humanos como “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. É mesmo na dignidade humana que deveria estar o foco.  

A desigualdade do mundo não é surpresa para ninguém. Todos os dias vemos uma profusão de notícias que a expõem. Sabemos que há crianças que passam fome, mulheres que sucumbem à violência doméstica, pessoas que são impedidas de estudar ou de ter acesso a um médico. Sabemos que a liberdade de expressão não existe em todo o lado, e há pessoas presas por escrever um poema ou fazer parte de um sindicato. Sabemos que há privilégio. E pessoas com muito mais recursos do que outras. Mas quando ouvimos/ lemos/ vemos informações, tendemos a compartimentar essa informação. Muitas vezes é um mecanismo para lidar com a imensidão da informação, outras vezes com a crueldade da violência exposta, outras vezes até para podermos lidar com os nossos próprios problemas diários, como a saúde mental. Mas o perigo reside em esquecer-nos de que continua a haver direitos universais. Continuam a ter de ser garantidos esses mesmos direitos. Continua a ter de se lutar pelos que não têm a dignidade, que consta no Artigo 1 da Declaração Universal. Num mundo em que grassa a desinformação, os boatos, as múltiplas conjeturas, é muito fácil esquecer-nos de que existem direitos humanos universais e de que os seres humanos “devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (Artigo 1 da Declaração). Porque a base destes direitos universais exige a empatia genuína. Não o de nos colocarmos no lugar do outro, mas sabermos que nunca vamos conseguir estar nesse lugar, nem compreender a totalidade da situação.  

Sejamos sinceros; algumas pessoas jamais saberão o que é ser refugiado. Ser obrigado a fugir da sua terra natal, deixar para trás família e amigos, e talvez nunca mais voltar. Passar por terrenos inóspitos, sem falar a língua ou perceber a cultura, às vezes em perigo real de vida. Chegar a um sítio e pensar que se chegou a um porto de abrigo, e descobrir que o recebem com desconfiança e até por vezes com ordem de prisão. Saber o que é acordar todos os dias de manhã e não saber se chegaremos ao final do dia com a integridade física e mental salvaguardadas. Mas a premissa dos direitos humanos universais é que não temos de passar por essa situação para empatizar com ela. Como seres humanos sabemos o que é ter fome, ter medo, ter tristeza, ter desamor. Sabemos o que são os efeitos da doença, da violência, da discriminação. Mas somos instigados a esquecer isso, a cair na desinformação, a esquecer que os outros são tão dignos como eu. A relegar para um espaço de não direito todos aqueles que não se parecem comigo, que não tiveram um percurso semelhante ao meu, ou que não beneficiam dos mesmos privilégios a que tive acesso. 

É isso que fazem os grupos extremistas que propagam deliberadamente a desinformação. Tentam eclipsar toda a empatia, relegando as pessoas que discriminam para uma bolha de não direitos, alegando vontades das maiorias e outras coisas completamente desenquadradas do conceito de direitos humanos universais. Para poderem ser mais eficientes e eficazes nos seus processos, atacam não só as pessoas individuais, mas também as organizações que as protegem, tentando desacreditar a qualidade da ação social, empolando e descaracterizando os benefícios que recebem, criando problemas sociais inexistentes para depois os tentarem resolver, com processos atentatórios a esses direitos universais. Não contentes com isso, instigam à violência.  

Talvez por isso se revele especialmente importante conceber estratégias de intervenção como a comunicação de crise, para capacitar as organizações para lidar com esses extremismos e essa desinformação, com factos e evidências, e recentrando o foco na dignidade e nos direitos humanos. A questão não é antagonizar os extremistas, ridicularizar os que acreditam nas múltiplas conjeturas que propagam, mas mudar a narrativa, com base nos direitos humanos universais.  

A comunicação de crise nada mais é do que antecipar estes ataques e saber defender-se deles, devolvendo às pessoas o centramento na empatia genuína. Deixar os seres humanos permear-se dessa bondade, que sentem nas épocas festivas, e aplicá-la na sua vivência diária, garantindo aos outros a mesma experiência de felicidade que também buscam. Deixar as organizações saber o que fazem melhor, sem resistências e alarmismos. Assim, sim, teríamos muitos motivos para celebrar.

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Photo Credits: Amine M’siouri (Pexels)

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