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A falta de contexto e o trabalho remoto

Hoje em dia, em plena pandemia da COVID-19, o que mais ouvimos falar é da necessidade de fazer trabalho remoto. ...
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A falta de contexto e o trabalho remoto

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By Cláudia Pedra
Managing Partner, Stone Soup Consulting

Hoje em dia, em plena pandemia da COVID-19, o que mais ouvimos falar é da necessidade de fazer trabalho remoto. Mas será assim tão fácil gerir pessoas e equipas em trabalho remoto?

Há 11,5 anos atrás quando criámos a Stone Soup Consulting,  discutimos muito como acompanharíamos pessoas, espalhadas um pouco por todo o mundo, em trabalho remoto. Pensámos que seria um dos nossos maiores desafios. 11,5 anos depois o desafio mantém-se, agora com novas condicionantes.

O trabalho remoto tem imensas virtuosidades. Podemos diminuir a nossa pegada ambiental, cortando em deslocações desnecessárias, trabalhar com pessoas em locais remotos e de difícil acesso, e cortar em custos de viagens e estadias. Permite trabalhar de forma flexível, aumentando a produtividade, com uma gestão de trabalho mais eficaz e eficiente. Tem também a vantagem de permitir um maior equilíbrio vida-trabalho, pois podemos acompanhar a nossa família/nossos amigos de mais perto, sem perder tempo nas (por vezes muito complexas) viagens entre a casa e o emprego. 

Mas o trabalho remoto durante uma pandemia, é muito diferente do trabalho remoto habitual. Primeiro, porque as pessoas não escolheram trabalhar assim. E isso é um fator importantíssimo. Na gestão da nossa carreira e do modo como trabalhámos, há que perceber se o trabalho remoto é para nós. Hoje em dia, para muitos, não há escolha. Milhões de pessoas atiradas para um tipo de trabalho com a qual não estão familiarizadas. Sem acesso a tudo o que precisavam para fazer esse trabalho. Com tecnologias sobrecarregadas e não preparadas para lidar com este momento. Adicionalmente têm de lidar com o facto de terem consigo os seus pais, os seus filhos, os seus colegas de casa, todos a precisarem de atenção, de apoio, todos a lidar com o stress  mental de estar confinados em casa, a ouvir estatísticas assustadoras e a assistir em tempo real a curvas de mortalidade acrescida. Focalizar o problema da COVID-19 em questões de saúde física e descurar a saúde mental, poderá ser uma das negligências mais gravosas do tempo que vivemos.

Estando então as pessoas atiradas para esta situação, é preciso ver se têm consigo instrumentos críticos: têm toda a tecnologia necessária (internet, computador, headphones, webcam, impressora, digitalizadora, etc), têm todos os documentos e ficheiros críticos que necessitam para trabalhar, conseguem estar num local com boas condições de ergonomia? E que dizer do silêncio, tão precioso para a concentração, quando temos uma casa cheia de pessoas? 

Correm piadas online, sobre o que terá motivado o desenvolvimento tecnológico da sua organização – o/a diretor/a executivo/a, as pessoas de tecnologias de informação, etc. ou a COVID-19. A verdade é que se foi apenas a pandemia, o mais certo é que não tenha consigo as condições necessárias nem tenha tido a formação adequada para utilizar os instrumentos que são agora cruciais.

No trabalho remoto, a tecnologia assume um papel crítico. Mas não apenas para gerir projetos e processos de trabalho, mas para gerir pessoas. De acordo com os estudos da Buffer, sobre o estado da arte do trabalho remoto, as pessoas já sentem (habitualmente) algum isolamento social, dificuldades de colaboração, distração motivada pelo trabalho doméstico, problemas de motivação, incapacidade de lidar de forma autónoma com questões complexas. Ora, se habitualmente essas são as questões, tudo isto agravou exponencialmente com a COVID-19. Durante a pandemia, o sentimento de isolamento social não é uma perceção, é uma realidade. As pessoas têm a sua liberdade de circulação restringida e não podem interagir socialmente da mesma maneira. Isto cria desafios enormes para manutenção da boa saúde mental. A par disso, têm de fazer aprendizagens rápidas sobre tecnologia, sem devida formação, explicado muitas vezes por pessoas para quem é tudo óbvio e simples. 

No trabalho remoto, o vídeo assume um papel primordial. Remeter as interações humanas para trocas estéreis via email ou chat, negligencia o quão importante é ver os rostos das pessoas, quando comunicamos com elas. Na gestão de trabalho remoto, um dos maiores desafios é a falta de contexto. No dia-a-dia nós não vemos aquela pessoa, não sabemos como está, não sabemos coisas cruciais que estão a condicionar a sua vida. Toda a gestão, decorrente da observação, é impossibilitada. Assim sendo, não posso chegar e olhar para o/a meu/minha colega e ver o seu semblante carregado, denotando uma preocupação. Não posso ver o sorriso subtilmente congelado, mostrando que algo o/a está a deixar especialmente feliz. Não percebo que desafios está a enfrentar no dia-a-dia. Não posso encetar uma conversa casual para desbloquear o que está a pensar. 

Ora se me falta contexto, tenho de garantir três pontos essenciais: confiança, tolerância e apoio. Em vez de julgar precipitadamente, e de apontar erros e omissões, posso confiar que a pessoa realizou o melhor trabalho possível nas suas circunstâncias e oferecer o meu apoio no que for necessário para melhorá-lo. Isso é especialmente importante neste momento. Convém não esquecer o contacto humano, feito de forma regular – fazer um telefonema, mandar uma pequena mensagem por chat, uma mensagem mais complexa por email, fazer uma videochamada para falar um pouco das tarefas. Fazer reforço positivo.

Quanto ao uso da tecnologia, cada um terá de utilizar a mais adequada para si e a sua organização. Há uma panóplia de soluções, gratuitas e com diferentes preços, para quase tudo que será necessário. Abandone a ideia de uma plataforma miraculosa onde poderá fazer tudo. Não existe. 

Numa reunião, usar um sistema de videoconferência permite gerar uma maior empatia e sentido de comunidade entre os membros da equipa. Garantir que há também algum convívio entre os seus membros (nem que seja em formato de café virtual), antes de entrar apressadamente nos assuntos de trabalho. Pedir a todos os membros da equipa que liguem o vídeo e nos permitam ver as suas, muito importantes, expressões faciais e que nos falem de si. Talvez antes da pandemia, isso pudesse ser menos relevante, mas num mundo em isolamento social assume um papel acrescido.

Em termos de gestão de equipa, o planeamento e as reuniões de equipa são críticas. Para garantir que não existem fenómenos como o efeito bola de neve (em que alguém espera por algo que nunca chega, comprometendo o seu tempo para desempenhar a tarefa com qualidade) ou conflitos entre membros da equipa. Mais uma vez a tecnologia poderá ajudar: ter um processo de gestão de projetos/tarefas partilhado, tecnologia para gestão de tarefas de equipa (usando uma das mais de 100 plataformas existentes para isso), e reuniões por videoconferência para clarificar aspetos importantes da interação da equipa. Discutir, em grupo, soluções para problemas complexos. Os papéis de cada, a quem reporta, com quem trabalha diretamente, e as ferramentas de colaboração, têm de ser claras para todos. A gestão inadequada destes pontos pode criar conflitos entre membros da equipa, especialmente devido à falta de contexto já explicada. Dirima os conflitos, os mais depressa possível. A coesão de equipa tem de ser assegurada, assim como o bem-estar físico e mental. Crie momentos especiais para convívio e desenvolvimento de relações pessoais. Encoraje as pessoas a agruparem-se por interesses e motivações comuns. Trabalhe com cada pessoa de uma maneira próxima e customizada, com a complexidade e variedade que todos os seres humanos têm. 

Convém relembrar que trabalho remoto é importante separar bem o trabalho do lazer, não deixar o trabalho infiltrar-se. Fazer pausas, trabalhar com um horário adequado, não comer em frente do computador. Mesmo em estado de emergência continua a ter os seus direitos humanos e os seus direitos como trabalhador/a. Não abdique deles por estar em casa. 

Talvez um último ponto para perceber bem os limites do trabalho remoto. Nem tudo poderá ser feito à distância. Há profissões e tarefas que exigem um contacto próximo e físico com outros seres humanos, manobrar equipamentos, ou uma interação com animais, natureza e territórios que não poderá ser feito sem nos deslocarmos. Nesse tipo de trabalhos há que avaliar muito bem se alguma tarefa poderá ser feita de forma remota e, se sim, como.  

Gerir pessoas e equipas de forma remota tem desafios. Muitos. Mas felizmente existem muitos recursos para nos ajudar. Há que perceber bem quais são e garantir que a solidariedade entre pessoas é posta em prática com regularidade. Talvez assim possamos continuar a trabalhar bem, com o apoio que todos precisamos, uns dias mais do que outros.

Stone Soup Consulting