26 de Setembro 2024
Por Daniel Mendes
Principal Consultant, Stone Soup Consulting
O que caracteriza um bom processo de escuta e envolvimento das partes interessadas num processo de criação de novos projetos? Os consultores, investigadores, profissionais de sustentabilidade corporativa, líderes comprometidos com a ética, entre outros, costumam deparar-se frequentemente com esta questão.
É do conhecimento de todos aqueles que trabalham com a área do impacto; ambiental, social ou da sustentabilidade, que as estratégias de implementação de projetos, negligenciam frequentemente o diálogo com as comunidades e indivíduos diretamente afetados pela mudança. A falta de diálogo prévio e o consentimento destas pessoas é uma prática que tem historicamente gerado consequências nocivas, ilustradas por resultados errados e impactos negativos.
A interação com as partes interessadas não deveria ser nunca um mero item de uma lista de verificação; deveria constituir-se como a essência de toda e qualquer organização, esteja esta orientada para o lucro ou não. Como parte de uma organização, deveríamos perguntar-nos: quão eficiente é a nossa abordagem para captar feedback das nossas partes interessadas? Será que utilizamos o processo como uma forma de confirmar perceções anteriores?
Em que etapas estamos envolvendo estas partes interessadas? A atuação limita-se apenas à informação e à consulta ou estende-se também ao envolvimento ativo e à implementação dos projetos?
Se for o caso, pode valer a pena considerar algumas alterações no processo. Para ilustrar com um exemplo, compartilho uma experiência da Stone Soup Consulting, empresa de consultoria que trabalha com organizações e iniciativas em todo o mundo para que estas possam alcançar o maior impacto social possível. Nos projetos com os quais colaboramos deparamo-nos com o desafio de como estabelecer um processo de escuta consistente e que envolva as partes, nomeadamente as pessoas interessadas de forma integral.
Entre junho e julho de 2024, realizámos para a Ultracargo, uma empresa brasileira, um projeto de escuta ativa e diagnóstico comunitário que se insere na etapa de consulta dentro da implementação de novos projetos.
Este processo foi estruturado sob os princípios do Human Centered Design (HCD), uma metodologia nascida do programa de design da Universidade de Stanford. O termo criado por John E. Arnold em 1958, delineava o HCD como o processo de design com foco nas necessidades humanas. Apesar das diferenças, essa metodologia é semelhante à sua metodologia irmã, o Design Thinking. Enquanto o Design Thinking é mais adotado por entidades com fins lucrativos, o HCD destaca-se mais no ambiente das organizações sem fins lucrativos. As fases e detalhes de implementação entre as duas metodologias são bastante similares.
Uma fase do HCD é a da Etnografia, que nos permite uma imersão profunda e sensível na realidade das partes interessadas. Para este projeto da Stone Soup com a Ultracargo, a Etnografia envolveu uma consulta aos moradores de Palmeirante, no Estado da região norte do Brasil – Tocantins, procurando entender as suas vivências e necessidades de forma fidedigna. Este processo que realizámos, passou desde as comunidades locais até ao centro do município, lugar de 6.000 habitantes, onde foram conduzidas entrevistas com mais de 30 residentes, líderes e representantes das comunidades locais.
Enquanto seres humanos somos impactados pelas condições de vulnerabilidade e pelas narrativas que nos são contadas. Vivenciamos as desigualdades, percebendo os nossos próprios privilégios e sonhando com um mundo onde os direitos de todos estejam garantidos. O nosso papel é o de amplificar essas vozes, assegurando que sejam escutadas. O processo de consulta é conduzido para captar todas as facetas da vida destes moradores — os seus sonhos e desafios; como estes se entrelaçam com os desafios gerais da comunidade.
O resultado é um relatório de diagnóstico que serve como uma bússola: uma ferramenta de orientação para a área da Sustentabilidade da Ultracargo, direcionando os seus projetos, atividades e impactos sociais e ambientais positivos na região de Palmeirante onde a empresa atua.
Enfatizamos que esta é ainda apenas o início da jornada. Na fase de implementação dos projetos que será realizada pela Ultracargo, será necessário envolver novamente os moradores das comunidades visitadas como participantes ativos no processo. É essencial que os projetos sejam um reflexo das necessidades da comunidade, e não meramente dos interesses da empresa.
Menciona-se ainda que não foi a primeira vez que um diagnóstico comunitário foi conduzido em parceria com a empresa. Anteriormente, envolvemo-nos na formulação de uma estratégia de sustentabilidade, na qual foram identificados os principais grupos de interesse e os parceiros locais potenciais para futuras colaborações de acordo com as áreas de atuação da empresa.
Esta estratégia, realizada para a holding Ultra, que já se encontra em fase de implementação, resultou na criação de projetos e programas desenhados para atender efetivamente às necessidades dos atores envolvidos nestes processos, nas regiões de Barcarena (PA), São Luís (MA), Aratu-Candeias (BA), Betim (MG), Santos e Cubatão (SP), Canoas (RS).
Um processo de escuta coeso, alinhado e alongado com as partes interessadas é essencial para uma atuação efetiva em prol da justiça social e do desenvolvimento comunitário. Isso deve-se ao fato de que, na sua essência, tal processo abrange frequentemente os grupos minoritários, os quais não estão adequadamente representados no âmbito do poder privado, público, ou nas esferas superiores de poder, sendo que estas vozes são geralmente silenciadas ou ignoradas.
Compreender a importância desta abordagem HCD, implica reconhecer que estas ações para o impacto são uma força contínua e resiliente, que deve ser sustentada pelo conhecimento, consentimento e apreciação de todas as partes envolvidas em todas as etapas de implementação de um projeto. É desta forma que podemos auxiliar o desenvolvimento de organizações comprometidas com resultados sociais e ambientais duradouros.